Schopenhauer sobre pensar por si

F. Pereira
2 min readJul 15, 2021

Schopenhauer afirma que pensar por conta própria e chegar às mesmas conclusões que os filósofos do passado é muito mais valioso do que simplesmente lê-los e concordar com suas assertivas. Isso faz sentido se considerarmos a filosofia uma atividade que se desenvolve à revelia de tradições polêmicas, o que obviamente não é o caso. O próprio Schopenhauer em outra ocasião afirma que todo sistema filosófico pretende rivalizar com os demais e por assim dizer suplantá-los, ao contrário das obras literárias que podem conviver tranquilamente umas com as outras. Ora, como iremos então suplantar os demais sistemas filosóficos se não tivermos notícias dos mesmos? Como eu posso refutar Platão se não tiver contato com sua obra? Schopenhauer ao dar o exemplo do cálculo não percebe que chegar às mesmas conclusões de um outro filósofo por conta própria é um episódio meramente acidental e secundário, mas pode muito bem ocorrer o contrário. A filosofia não é como a matemática em que existe um “resultado correto” que pode ser acessado por múltiplos cálculos diferentes feitos por filósofos diferentes em épocas diversas. Frequentemente ocorre o contrário: os filósofos se metem a pensar o mesmo conjunto de problemas e chegam a conclusões totalmente diversas. Portanto, pensar por si mesmo sem o auxílio dos clássicos pode ser útil apenas para validar racionalmente a visão de mundo que o filósofo já possui (algo em si benéfico) e treiná-lo na capacidade de pensar por si, porém, isso o tornará um filósofo/intelectual de visão dogmática/unilateral, pois não terá conhecimento do que outros filósofos pensaram contra sua posição ou outras posições. Em filosofia ter contato com ideias e argumentos contrários às nossas próprias perspectivas é muito mais importante do que sentar na cadeira, ignorar tudo que já foi escrito e pensado antes e “construir” seu sistema filosófico por conta própria e à revelia da história dos problemas filosóficos. Articular uma visão racional do mundo por conta própria é útil, mas é muito mais importante ter contato com perspectivas diferentes das nossas para sabermos por que nossa posição parece mais razoável do que as alternativas. Ora, esse levantamento das posições filosóficas alternativas à nossa não pode ser feito sem o contato com os autores que desenvolveram tais perspectivas, não pode ocorrer embate de ideias se não lermos as obras de outros filósofos e não se pode defender uma posição sem combater as contrárias. Assim, saindo do exemplo matemático dado por Schopenhauer, um sistema filosófico não é resultado de um “cálculo” cujo resultado pode ser obtido por mentes diversas em épocas diferentes, ele é muito mais um terreno/ feudo que precisa ser defendido contra ataques de invasores e, para isso, é necessário conhecer seus inimigos para melhor combate-los. Não é possível a um filósofo defender um conjunto de ideias sem conhecer as rivais e ser capaz de dar razões para rejeitá-las.

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