Preconceitos contra a intelectualidade católica

F. Pereira
5 min readJul 18, 2019

Indo direto ao ponto: atualmente os católicos não vivem apenas uma crise espiritual, mas sobretudo intelectual. Um post recente do professor Carlos Nougué homenageando alguns jovens tomistas suscitou uma discussão entre eu e alguns colegas católicos. Por um motivo que considero banal eles ironizaram o post pois o mesmo mencionava um número relativamente grande de pessoas (aproximadamente 30) e, portanto, as pessoas ali mencionadas não seriam verdadeiramente “tomistas”, sendo um exagero do professor Carlos ter contemplado “tanta gente”. Essa maneira de pensar é tão simplória (diferente de simples) que chega a ser cansativo ter que combatê-la, apesar disto é uma tarefa necessária. Comecemos com um dado estatístico básico, qual seja, o fato de nosso país ter 210 milhões de habitantes. Suponhamos que 1% da população brasileira seja composta de indivíduos estupidamente geniais, o que daria um número aproximado de 2 milhões de gênios em território nacional. Se supusermos agora que apenas 1% deste contingente de 1% são intelectuais católicos, chegaríamos ao número aproximado de 20 mil. Este número equivaleria a 0,00009524% da população brasileira ou um por cento de um centésimo da população nacional. Agora, perguntemos, isto é muito? 20 mil intelectuais católicos num país de 210 milhões de habitantes é muito? Os cerca de 30 intelectuais tomistas citados pelo professor Nougué no post é muito se comparado com a população do país? Recuso-me a responder porque meu foco não são os números, mas nossa maneira de interpretá-los a partir de certos preconceitos arraigados entre os católicos de um modo geral e os tradicionalistas em particular.

Um dos preconceitos mais comuns é o anti-intelectualismo reinante em alguns setores do catolicismo tradicional. Existe uma ideia estapafúrdia de que se o sujeito busca estudo é porque não busca santidade logo, supostamente não estaria em estado de graça. Esse raciocínio é evidentemente ridículo (preciso nomear os bovinos) pois o próprio São Pio X ensinava que a base da nossa vida espiritual são a oração, o estudo e o trabalho. Estudo no sentido empregado pelo papa tem um sentido amplo, isto é, não significa que todos os católicos tenham que ler Santo Tomás de Aquino, mas precisam sim conduzir as suas vidas de maneira meditada, refletida. Ter o estudo como base da vida espiritual não significa que todos os católicos tenham vocação para a vida intelectual, significa apenas que todos precisam adquirir os rudimentos mínimos de cultura para pensar a realidade de maneira correta, de acordo com a verdade.

Um segundo preconceito derivado do anterior é justamente o preconceito com a figura do intelectual. Isto é um problema no Brasil de um modo geral, mas entre os católicos se torna manifestamente grave pois a Igreja sempre incentivou a ciência e as artes. Aquilo que chamamos de “Ocidente” nada mais é do que produto do processo civilizatório levado à efeito pela Igreja. Tudo aquilo que chamamos hoje de alta cultura é obra da Igreja. Portanto, incomodar-se com uma nova geração de intelectuais tomistas é um erro crasso, pois é o mesmo que rejeitar a herança cultural da própria Santa Igreja. Deveríamos desejar que o número de intelectuais católicos fosse cada vez maior para que seu impacto na sociedade fosse ainda maior. Como diria Gustavo Corção os intelectuais católicos são como instrumentos radiofônicos propagadores da doutrina da Igreja, logo, quanto mais, melhor. Aliás o próprio Corção escrevia sobre metafísica em jornais de grande circulação, como o Diário de Notícias, não para se gabar da sua cultura em relação ao demais, mas para disseminar a verdade. Esse deve ser o foco: a inteligência está à serviço da propagação da verdade e não da popularidade do filósofo/intelectual. Poderíamos citar outros autores contemporâneos a Corção que realizaram esse trabalho cada qual a seu modo, tais como José Pedro Galvão de Sousa e Heraldo Barbuy.

Um terceiro preconceito reinante é a confusão que as pessoas fazem entre o “guru” e o intelectual em sentido estrito. A distinção que fizemos acima sobre a que a inteligência humana deve servir é a base para discernir um de outro. O intelectual é alguém que está a serviço da verdade enquanto o guru está a serviço do seu próprio ego. O guru não quer trabalhar para a santificação das almas e para a defesa da verdade, ele só busca reconhecimento social. Ele sempre tenderá a detratar os adversários e chamá-los de ignorantes, mesmo que este não seja o caso. O objetivo é apenas chamar atenção para si mesmo. O intelectual católico age em defesa da verdade e jamais usa de subterfúgios de detração, xingamentos ou ridicularização do outro, pois sabe que o direito a dizer a verdade não nos dá o direito a insultar. Insultar alguém que está em erro ou até mal intencionado no debate não é direito e sim falta de respeito e de caridade. Aqui, portanto, encontramos uma outra diferença entre o intelectual e o guru: o primeiro é honesto e o segundo não. Enquanto o intelectual se concentra em expor a verdade não para se mostrar superior mas porque é seu dever difundir a verdade, o guru sempre abusará de contorcionismo retórico para passar a impressão de que venceu um debate, mesmo sem ter razão. Eis aqui outra diferença: o intelectual, sobretudo o católico, é humilde pois vê-se como um servo da verdade e não como o senhor da razão. Justamente por colocar-se abaixo da verdade e não acima dela o intelectual também é objetivo: o foco não é impor seu ponto de vista mas expor a verdade. O intelectual católico não deve ter como meta aumentar seu número particular de seguidores, mas propagar a verdade ainda que ninguém o reconheça por isto. O seu objetivo não é que as pessoas adotem o seu ponto de vista, mas que sigam a verdade. Quando o intelectual católico opina sobre matéria controvertida deixa claro que é apenas uma opinião, logo, não vincula ninguém , ou seja, é apenas um ponto de vista não um dogma, portanto, admite posicionamentos divergentes em matérias não dogmáticas (de fé), e aqui jaz sua última qualidade: a tolerância. O guru por outro lado é intolerante: quem não concorda com ele ou é um analfabeto funcional ou é um inimigo. Resumindo, humildade, objetividade, honestidade e tolerância são as principais qualidades de um intelectual católico e os vícios contrários são facilmente encontrados no “guru”.

Após a exposição dos três preconceitos contra a intelectualidade e a distinção entre o intelectual e o guru precisamos retornar às estimativas estatísticas apresentadas na introdução do texto. O problema de acharmos que “temos tomistas demais” circulando por aí tem como consequência justamente a valorização dos gurus. Quando os próprios católicos não valorizam os bons intelectuais tomistas a consequência é a popularização de “gurus” para todos os lados. Basta lembrarmos que é muito conveniente para os gurus que as pessoas acreditem haver apenas meia dúzia de pessoas verdadeiramente inteligentes no país, pois desta forma eles podem chamar a atenção para si mesmos, afinal estão preocupados apenas com o próprio ego, com seu próprio “estrelismo”. Por outro lado, os bons intelectuais católicos não temem concorrência, pois eles sabem que a verdade é um bem comum que deve ser compartilhado com o maior número possível de pessoas, pois assim um número maior de almas será salvo. Para um intelectual católico a verdade não é algo a ser disputado e sim compartilhado e isto só será possível quando compreendermos os intelectuais católicos como servos disseminadores da verdade: quanto mais melhor. Rezemos para que a lista do professor Nougué seja cada vez maior, pois não se constrói uma civilização verdadeiramente cristã com meia dúzia de charlatães, mas com um exército de amantes da verdade.

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